Olá, povo!
O sexto capítulo está aqui! Lembrando que este trabalho é uma homenagem ao cenário de RPG "Demônio, A Queda" e que a ideia é apenas ajudar a ter uma concepção de como o cenário funciona. Se você está chegando agora e não sabe o que está ocorrendo na história, confere os capítulos anteriores (os links estão lá no fim deste capítulo!). Se já é "cliente da casa", boa leitura!
Bora lá!
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06.CIGARRO [Negociações]
Ele ficou atento por todo o caminho, a princípio, tudo calmo. Quando pararam em frente ao muro baixo, com um portãozinho de metal, a tal Débora pediu que esperasse do lado de fora. Ele estranhou no primeiro momento, mas, ao mesmo tempo, pensou que ainda poderia ganhar algo. Ficou ali, enquanto a mulher entrava na casa.
- Oi, minha filha! Tava boa a caminhada? - perguntou a mãe da sala.
- Aham, já te dou atenção mãe! - respondeu Tural, enquanto saia correndo para buscar mais comida e cigarros. Débora tinha esse hábito, mas Tural decidiu que isso era passado. Se o plano dele fosse dar certo, precisaria manter o foco de Patrício e, por hora, era melhor trocar o vício dele por cigarros.
“Adeus, Débora e sua boca com gosto de cinzeiro…” o Anjo Caído pensou com um sorriso malvado nos lábios, com um prazer quase demoníaco. Detestava as conexões que se passavam em sua mente, enquanto segurava o cigarro. Por mais que aquela fosse a forma de Débora pensar que relaxava, na verdade, ela girava a “roleta russa da saúde”, sem nunca saber quando poderia ser “premiada”.
Mais um pacote pardo, desta vez, acrescentou duas bananas e sete cigarros com um isqueiro quase sem fluído. Estava terminando o sanduíche no balcão da pia, quando viu o par de olhos arregalados de Patrício pela janela. Ele estava quase dando um tapa no vidro, quando Tural saltou para trás assustado.
- Oi, você tava demorando… Eu achei que tinha esquecido que eu tava aqui fora…
- Shhh… Fala baixo! Eu não esqueci! Tô terminando de fazer o sanduíche! Vai lá pra frente e me espera!
- Tá…
- Tudo bem, aí, minha filha?! - veio a voz da sala.
- Tudo ótimo, mãe! Continua vendo sua TV!
Tural colocou a embalagem do queijo no bolso do casaco, pegou o pacote pardo e saiu novamente.
- Tá saindo de novo!?
- Sim, mãe… A gente tá sem queijo e eu quero fazer um sanduíche reforçado. Já volto!
Tural olhou Patrício na frente do muro. Ele conseguira remediar a questão física do corpo do homem, mas é agora que começaria o verdadeiro trabalho. Como se tornaria alguém a quem Patrício recorreria sempre? Como ser mais importante do que todo aquele pó que só o destruía por dentro e o afastava desta realidade? Nas informações de Débora, o vício de Patrício nunca tinha uma história com final feliz.
- Tá aqui. - disse entregando o pacote. - E tem mais umas coisas ai dentro, dá uma olhada.
Patrício olhou o pacote pardo amassado e as engrenagens começaram a trabalhar. Ele já vira aquilo ali… Ontem! Sim, ele estava lembrando. Papel pardo, comida, mensagem. No fim, fazia sentido ela ter entrado em contato com ele dentro do lixo; fora ela quem deixou o lanche da outra noite.
- O pacote de ontem era seu, então?!
- Uhum.
Ele abriu para olhar o conteúdo: sanduíche, iogurte, bananas, cigarros e isqueiro.
- Cigarros? - ele perguntou.
- Ahn, sim. Se importa de caminhar mais um pouco comigo? Você pode ir comendo, se quiser.
Descascou uma das bananas e foi comendo enquanto a tal Débora falava.
- A verdade é que eu tô reavaliando a minha vida, Patrício. Eu quero me ajudar e tô achando que isso pode acontecer enquanto eu ajudo alguém, sabe? E, antes que você ache que eu sou alguma religiosa querendo te converter, relaxa! Só tô comentando o que tem ocorrido neste ano… Então, ontem, eu tava caminhando, fazendo meu exercício, quando eu te vi tendo um ataque atrás do banco. Te ajudei na hora, mas fiquei pensando no depois. Pensei comigo “tô ajudando o cara e deixo ele no chão?” Não dá, né?!
- Mas, eu acordei no chão…
- Você não tá escutando, olha só… Eu te ajudei, mas não sabia o que fazer direito. Eu só pensei que você ia tá com fome depois. Vai que você era um maluco, tarado, e tentava me matar?! - Tural quase sorriu ao final da frase, a ironia escondida na frase se misturava com a parte que ainda achava que ele merecia algo pela morte de Débora.
- Não, moça! Eu não sou assim!
“Mentiroso!” pensou Tural “Agora, você vai me dizer que é escoteiro também! Mas é justamente esse mentiroso que pode me ajudar agora…”.
- De qualquer forma, Patrício. Eu tinha que ter certeza, sabe? Daí, eu peguei um lanche e deixei contigo, com a mensagem. Imagina a minha surpresa quando voltei hoje de manhã, e não te vi. Tive quer ir caminhando, tentando te achar… E… Bom, cá estamos. Eu quero nos ajudar, cara.
“Nos ajudar?” Patrício pensou “O quê que falta pra ela? Tem casa, comida, roupa...Tempo de sobra… Só pode ser doida, tipo aquelas senhoras que ficam na rua só pra falar da vida dos outros…”.
- Patrício? Cê tá me ouvindo? O que eu tô falando é sério, cara. Quero ajudar a nós dois. Só que eu só consigo fazer uma parte. Preciso saber se você quer a minha ajuda também. Não posso te dizer o que fazer, nem quero mandar em você.
Patrício não tinha escutado metade das coisas, mas estava bem naquela manhã. Acordara bem, estava melhor disposto do que nos últimos três anos que conseguia lembrar. Ganhara comida ontem e hoje. Parecia fácil demais, mas ela não o chamou de “lixo” uma única vez, e ainda usava seu nome de verdade.
- O quê que eu tenho que fazer? - perguntou com a boca cheia da última banana do pacote.
- Primeiro, tem que conversar comigo… E não sumir, porque fica difícil conseguir te dar comida, quando eu não faço ideia de onde você está. Pode ser?
Ele não viu nada errado naquela proposta. “É só conversar com uma dona desocupada e sem amigos” pensou “Ainda ganho uma comida junto”.
- Pode ser.
- Bom, muito legal… Então… Olha só uma coisa que é um segredo nosso… - Tural tirou o queijo do bolso – Esse é um bônus pra inaugurar a nossa amizade, que tal?
- Bha! Valeu! - falou surpreso, abrindo um sorriso cheio de manchas e algumas ausências de dentes.
“Mal aceitei conversar com ela e já tá chovendo comida!” pensou enquanto enfiava o resto de queijo no pacote.
“Humanos são tão fáceis de agradar! Este se entrega todo por uns restos. Que patético! Pelo menos, está funcionando… Já estou ganhando sua confiança. Daqui algum tempo, ele poderá me servir bem.”
A primeira e a segunda semanas foram as mais complicadas. Tural levou comida fielmente por três vezes ao dia, além disso, havia dias em que ele podia notar como Patrício estava aflito, pensando em roubar só para ter mais uma dose. Nesses dias, Tural dava cigarros a ele. Todo o estoque de maços de Débora se foi na primeira semana. Na segunda, o dono do mercadinho da esquina até indagou que a quarentena deixava as pessoas mais nervosas e compulsiva, mas foi ignorado. As negociações começaram só no final da terceira semana. Débora conversava todos os dias com Patrício; alguns dias eram só conversa fiada e comida, outros, eram pequenas projeções sobre como as coisas seriam depois da quarentena e comida. Patrício ria do fato de que andava na rua e não pegava nada desse tal de “corona”.
Foi no final da quarta semana que Tural notou algo mais sensível em Patrício. Era logo após o almoço, estavam sentados no banco da praça. “É agora!” pensou o Anjo Caído.
- Patrício, eu queria te fazer uma outra proposta, cara. Só que não vale rir, hein?!
- Hahaha! Foi mal! Fala!
- Tá afim de trabalhar pra mim?
Ele quase se engasgou no riso.
- Sério?!
- Sim, sério. Tô te vendo aí, sem casa, sem emprego, precisando de ajuda… Eu quero ajudar… Um trabalho ia te dar uns trocos, pelo menos… Que tal?
“Não, só pode ser brincadeira” ele pensou “Ninguém daria uma chance pra mim! Eu sou do povo invisível, ninguém nos vê… Mas… Ela me viu todos os dias no último mês…”
- É sério mesmo, dona? A senhora tem feito tanto por mim, que eu nem sei o que dizer. Pô, brigadão. Qualé o negócio?
- Coisa simples, tirar o lixo de casa, dar uma olhada na rua pra mim, me deixar a par de quem é perigoso no bairro… Essas coisas. Eu garanto as refeições, até te dou uma roupa nova.
- Bhá, fechou todas! Topo mesmo!
- Que bom! Ahn… Só tem um detalhe antes, Patricio… E eu preciso saber se você quer a minha ajuda…
- Pô, se quero! A senhora caiu do céu na minha vida!
“É, ironicamente, você está absolutamente certo sobre isso!” sorriu o Anjo Caído, enquanto mudava a expressão para um tom mais sóbrio.
- Bem, você precisa se tratar para o seu vício, Patrício. E eu tô disposta a estar junto de ti durante todo o processo. Eu te levo, visito, preparo as coisas para quando você voltar. E eu falo muito sério sobre isso.
Patrício estava congelado ao lado dela. Tudo na mente do viciado gritava contra o pedido de ajuda, e Tural começou a sentir isso. Ele estava investindo pesado para conseguir um Pacto para nutrir sua Fé, ou um Seguidor que ajudasse a facilitar as coisas nesta realidade, não poderia deixar isso escapar, não agora que ele estava tão perto de tornar o viciado em algo útil. Tural não viu outra forma de acelerar um ou outro degrau desse investimento, se não fazendo o uso “pervertido”, cheio de Tormento, de seu poder.
Agindo rápido, Tural agarrou o braço de Patrício. Pensando com a agilidade e crueldade que só os demônios conhecem à beira da loucura, Tural usou seu Tormento, toda a loucura que recebera de sua prisão no Abismo, e perverteu seu poder de cura para transformá-lo em doença. Puxando as forças da realidade a seu favor, ele enfraqueceu o corpo de Patrício por alguns poucos segundo, o suficiente para torná-lo indefeso. E, tremendo por completo, o humano caiu do banco.
- Tá tudo bem, Patrício, eu tô aqui! Calma! - dizia a mulher, enquanto abraçava o homem trêmulo - Eu quero te ajudar, Patrício! Calma, eu vou cuidar de você, calma!
Ele já não tinha controle sobre si mesmo, mas lembra de quase morder a língua ao dizer “Me ajuda, por favor!”.
Débora estava na frente do hospital, quando Patrício saiu da internação. Passaram-se vinte dias desde que ela convencera Patrício a se internar, se limpar, ir a reuniões. Ela fez exatamente o que tinha prometido: foi vê-lo quase todos os dias, comprou uma muda de roupa limpa, esteve presente através de todo o processo.
Tural estava absurdamente contente, por consequência, o rosto de Débora possuía um sorriso luminoso. Foram quase dois meses de idas e vindas, e comida e cigarros, e muita conversa fiada sobre os sonhos de Patrício; mas Tural conseguiu. Agora, ele tinha um Pacto e um Servo no mesmo indivíduo. Ele honestamente ainda não sabia como tivera tanta sorte ao investir no próprio assassino, mas agora, conseguiria um pouco de Fé com frequência e alguém para fazer pequenas tarefas. Tudo isso, contanto que possa manter sua parte do acordo. Fácil como tirar doce de criança.
Enquanto Tural ía até Patrício, só conseguia pensar uma coisa “De boas intenções, o Inferno está cheio...”.
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Vale das Trevas
CAPÍTULOS ANTERIORES e Conceitos do Cenário já abordados:
1) FUGA [do Abismo] --- Nome Verdadeiro, Nome Celestial, Abismo e Corpo Hospedeiro.
2) LEMBRANÇAS [Paralelas] --- Casa, Adão e Eva, Lúcifer, Gehinnon (a primeira cidade), Ressonância
3) RECOMEÇO [Legado] --- Legado, Surgimento da Humanidade, Duas Ordens do Criador, Ahrimal, Grande Debate, Semblantes, Consciência, Eminência, Os nomes de alguns Anjos Rebeldes importantes na história do cenário, Miguel
4) VINGANÇA [Justiça] --- Doutrinas, o fim da imortalidade da humanidade, Casa Flagelo, Doutrina do Despertar
5) REFLEXÃO [Cautela] --- Antecedentes (Fé, Contatos, Recursos), Pacto e Ceifar Fé
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