Hell-o, povo!! Tudo buenas?
Eu, Morrigan “Kami” Ankh em colaboração com o “Vale das Trevas: da ponte pra cá”, continuamos com a história do Anjo Caído/Demônio TURAL, a Lança das Horas.
Nesta proposta de apresentar o cenário de RPG de “Demônio, a Queda”, já foram introduzidos os seguintes conceitos do cenário: Nome Verdadeiro, Nome Celestial, Abismo e Corpo Hospedeiro, Casa, Adão e Eva, Lúcifer, Gehinnon (a primeira cidade), Ressonância, Doutrinas, o fim da imortalidade da humanidade, Casa Flagelo, Doutrina do Despertar. Confere os capítulos anteriores desta história ( capítulos: 01, 02, 03 e 04 )!
Este é um trabalho de fã, apenas fazer uma homenagem a este cenário lindíssimo, enquanto procuro ajudar as pessoas a compreendê-lo melhor. Com sorte, a inspiração contamina o ar! ;)
Opa! Para melhor compreender a leitura: as sentenças que usam apenas letras maiúsculas serão representações da voz angelical/demoníaca das personagens, já que seria o “verdadeiro eu” delas falando. (Isso ocorre nos livros oficiais e pensei que deve ser mantido para deixar claro quando as falas vão além das simples cordas vocais humanas.) Ainda, as palavras em negrito no meio do texto fazem conexão com as apresentações de conceitos importantes para as personagens e cenário, seguidas de uma explicação.
Bora lá?! :)
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REFLEXÃO [Cautela]
“AINDA CONSIGO!” pensou consigo enquanto tentava puxar os poucos fios de glória daquele momento “AINDA CONSIGO FAZER ISSO! AINDA TOCO A REALIDADE E A TRANSFORMO A MEU FAVOR! EU NÃO PERECI! AINDA EXISTO!” Tural buscou tornar aquele instante final de orgulho em algo eterno, mas o brilho do que fizera já estava se apagando, enquanto o peso de sua decisão se tornava mais… Pesado. Estava ali, ainda segurando o corpo do viciado sobre si. Talvez, ainda absorvendo o choque do que acabara de fazer.
O que faria agora? Abandonaria o homem a própria sorte? Levaria ele para casa? Chegaria em casa e diria: “Ah, oi, mãezinha, esse é o… Bob… Um amigo que eu trouxe para morar aqui com a gente.” uma ideia ridícula, obviamente. Com algum esforço, colocou o peso do viciado de lado e ajoelhou-se.
Vasculhou as roupas do homem e conseguiu achar um pacotinho de pó que pegou para si. Aproveitou para pegar a seringa também. Eram dois itens que esse homem não deveria ter à disposição e, certamente, Tural acharia um destino melhor. Achou uma identidade também, era quase impossível reconhecer o homem da fotografia no homem caído a seu lado, mas foi possível ver o nome no papel manchado. Devolveu a identidade e olhou em volta, ninguém havia visto nada. (Pelo menos, torcia arduamente para isso.)
Numa última olhada, imaginou que o homem a sua frente ainda teria entre uns quarenta minutos a uma hora de inconsciência. Não queria levá-lo para casa, e não conseguiria carregar o “peso morto” para outra localidade.
Sentou no banco da praça, refletindo sobre suas ações e como cada uma era um dominó que esmurravam aos outros dominós, gerando a necessidade de improvisar, ao contrário de seguir um plano ordeiro e simples. Era uma incógnita para Tural como a humanidade conseguira sobreviver por tanto tempo, tendo esse contexto de variáveis múltiplas e, aparentemente, incansáveis. Essa capacidade de continuar era algo que Débora classificava como “jeitinho brasileiro”.
Finalmente conseguira encontrar um plano… Ou… Um rascunho do que seria possível realizar. Correu até sua casa.
***
O viciado finalmente acordava. Seu nome era Patrício, mas há anos o chamavam de “Ligeirinho”, e ele parecia estar bem com isso. Era melhor do que ser chamado de “Lixo”, “Vagabundo”, “Ladrão”, “Vadio”, etc.
Mesmo com a visão meio embaçada, ele pode ver alguém com um casaco de capuz ao seu lado. A pessoa pegou uma de suas mãos e o fez agarrar alguma coisa, então levantou-se e saiu caminhando rapidamente.
“Estou delirando?” Patrício pensou enquanto tentava erguer um pacote. Era de papel pardo, semelhante aos usados em padaria, dentro havia um iogurte de morango e um pão francês com margarina, presunto e queijo. Demorou para ler o que estava escrito na parte de fora do pacote: “Volto com mais amanhã. Não saia da praça.”
Deitado, naquele frio, Patrício sequer pensou em como chegara ali, ou por qual razão ganhara comida. Acostumado com o odor desagradável, ele apenas estranhara a cor das roupas; podia jurar que não eram tão escuras assim. Ignorava porque estava dolorido, mas, se suas memórias não lhe falhavam (e, geralmente, elas falhavam), isso deveria ter relação com as drogas. Comeu o lanche com dificuldade, parecia que havia gasto todas as suas forças em uma maratona através da cidade. Estava intrigado com aquilo. Estava incomodado também. Ele era do povo invisível das ruas. Tirando uma ou outra pessoa da prefeitura, ou das igrejas, ninguém reconhecia que ele existia e, agora, ganhava comida e um bilhete para um novo encontro.
“Será que vai rolar uma grana?” imaginou enquanto lambia a tampa metálica do iogurte. “Será que é pra eu vender alguma parada?”. Comeu todo o conteúdo do pacote, levantou e deitou-se no banco da praça. Estava dolorido, continuava na miséria, sem ter para onde ir, então, concluiu que dormir no banco, após essa misteriosa refeição era lucro.
Não sabia se iria esperar. Não sabia quando seu bem feitor misterioso apareceria de novo. Sabia que era amanhã, mas quando? De manhã? A tarde? A noite? E o que essa pessoa sabia dele? O que queria realmente? Será que achava que ele era um vaso e ia ficar o dia todo no mesmo lugar? Eram tantas perguntas, algumas dessas sem nexo, que a mente começou a cansar. Adormeceu rápido, esperando que ninguém viesse perturbá-lo.
***
Débora fez tudo às pressas. Colocou a mãe na poltrona de sempre, preparou o café da manhã. Desta vez, porém, ela quebrou a rotina. Serviu o café da velha mãe numa mesinha de sala, ao lado da poltrona.
- Ué, a gente não vai tomar café juntas? - perguntou Dona Adelaide.
- Desta vez não, mãe. Eu tô fazendo uns exercícios para perder peso, ando muito sedentária, sabe? - foi a melhor desculpa que conseguiu. Tural sabia que Débora sofria críticas da mãe em relação a sua aparência física. Possivelmente, Dona Adelaide concluiria que era melhor deixar a filha sair logo, antes que desistisse.
- Ai, que bom! Vai, vai mesmo, minha filha! Aproveita pra ficar em forma! - havia alegria na voz da mãe.
Era cedo para os parâmetros de quem está em quarentena e devia estar em casa. O Anjo Caído estava impaciente, quase não dormira à noite, pensando se “Patrício, o Viciado” saberia ler, e se o cérebro dele não havia sido corroído demais pelas drogas para compreender instruções tão simples como “Volto com mais amanhã. Não saia da praça.”. No que restara da noite anterior, Tural pensara em como havia sido idiota em permitir que algum sentimentalismo interferisse na aplicação da punição de um assassino, ao mesmo tempo, ele próprio repensara sua posição como “Promotor, Juiz, Juri e Executor”.
Correu até a praça, mentalizando ver Patrício parado no banco, mas ele não estava lá. Um lampejo de raiva cruzou os pensamentos de Tural.
“Droga! Esse primata imbecil não sabe seguir simples instruções?!” a mandíbula ficou rígida demonstrando irritação, mais uma vez, ele teria que improvisar. Concentrou-se. Sabia o nome do mortal, já havia estado com ele por tempo suficiente para ter um retrato mental e algum conhecimento sobre ele. Buscou nos arredores por presenças, havia várias pessoas em vários locais. Dentro de suas casas, de armazéns, de mercados, de farmácias, ao longo das ruas. Estava tentando localizar Patrício, podia fazer isso, era uma das habilidades que sua Doutrina incluía.
Com algum conhecimento do alvo, Tural podia tentar alcançar sua localização até certa distância. Usara muito disso no passado, resgatara e caçara muitos indivíduos dessa forma. Ao mesmo tempo em que via muitos, esses muitos desapareciam, pois não eram o objeto de sua busca. No final, restou um, apenas aquele do qual precisava. Apressou os passos em sua direção.
Ele estava catando algo num contêiner de lixo há algumas quadras dali. Conforme Tural se aproximava, sua visão apontava o brilho da Fé dentro do mortal. Era fraca, pequena, mas estava lá.
- Olá? - fez o primeiro contato.
Não obteve resposta.
- Ahn… Oi? Moço? - tentou de novo.
Patrício já tinha escutado alguém, mas não pensou que o assunto fosse com ele. Ele era do povo invisível, todos o ignoravam. Exceto que, desta vez, a mesma voz, um pouco mais próxima, continuou.
- Err… Oi… Tudo bem? - Tural tinha dúvidas de como abordar um mortal com problemas assim, de repente, pensou que dizer “OLÁ, ONTEM A NOITE, EU SALVEI VOCÊ, AGORA, SUA VIDA ME PERTENCE!” não parecia a melhor abordagem para uma mente tão frágil.
- Ah… Oi, moça… O lixo é teu? Eu só vou pegar uma comida e já tô saindo… Eu prometo. - disse o homem desafortunado dentro do lixo. Há algumas horas, ele seria incapaz de juntar duas palavras, mas desde a intervenção de Tural, Patrício parecia capaz de se comunicar com alguma civilidade.
- Ahn… Tá com fome, né? Eu acho que tem umas coisas lá em casa… Tá afim?
Patrício parou de remexer nas sacolas de lixo e olhou a moça. Pelas roupas, não parecia da prefeitura, nem alguma religiosa tentando convertê-lo. Seria o tipo de pessoa que ele assaltaria na necessidade. A sorte dela é que ele acordara bem nesta manhã. Acordara sem a vontade de uma dose, para a qual nunca tinha dinheiro e para a qual acabaria dando um jeito (notoriamente ilícito) de conseguir.
“Por que não?” ele pensou. “Ela deve ser solteirona, tá a fim de fazer caridade e eu tô ferrado mesmo…”
- É sério mesmo?
- É. Sério mesmo. Tem umas coisas lá, eu posso te dar.
- Ih… Quê que eu tenho que fazê?
- Nada demais. Só sair daí e vir comigo.
Caminharam até o portão da casa, mantendo uma distância de quase dois metros entre si. A mulher se identificou como Débora e puxava assunto, Patrício, com medo de perder uma oportunidade de comer, ia conversando.
Patrício não era trouxa, se fosse uma cilada, uma das vítimas dele, ele sairia correndo. A mulher parecia curiosa sobre a rotina dele, e isso também o deixava inquieto. O que ela queria saber através de tantas peguntas?
Tural caminhou as quadras com calma, sem movimentos bruscos. Aquela caminhada precisava ser bem calculada, era um investimento precioso. Era certo que Patrício não fazia ideia de quem Débora era. Seu cérebro constantemente intoxicado nem deve ter se dado conta do momento em que assassinou a hospedeira. Débora era só um rosto na rua, uma vítima de oportunidade, um número estatístico. Se isso era bom? Talvez. Não deixar o homem com medo e correndo como quem vê uma assombração, poupava o tempo de Tural. Além disso, Tural precisava de um Pacto, ou de um Servo.
Enquanto os Antecedentes básicos da vida mortal (como Recursos e Contatos) ainda poderiam ser sustentados por seu disfarce como Débora, ainda havia as coisas das quais um demônio precisava. Fé era uma delas. Como um Anjo Caído, jamais poderia gerar a própria Fé, mas sabia que podia encontrá-la nos mortais, assim como o fizera no passado, antes do Abismo.
Somente o Criador e humanos conseguiam nutrir os Anjos e os Anjos Caídos com Fé. Afastados do Criador, os Caídos conseguiam Fé com os mortais. Mas Fé não é uma coisa a ser tomada. Ela é algo especial que só pode ser depositada voluntariamente. Tural sabia que haveria a necessidade de criar um Pacto, um vínculo especial no qual o mortal voluntariamente escolhe compartilhar sua Fé. Não é um procedimento de um dia, talvez, levasse meses, mas a questão é que, ou Tural estava disposto a criar esse vínculo (muito mais recompensador e duradouro), ou ele poderia simplesmente Ceifar a Fé de um mortal. Por experiência, ele sabia que a última opção costumava danificar gravemente a mente dos humanos. Era uma espécie de violação espiritual, cuja intensidade poderia nunca mais ser restaurada.
Ele tinha necessidade de Fé, estava quase no limite. Boa parte de suas reservas foram consumidas para restaurar o corpo hospedeiro. Ele cogitara usar a mãe, mas não tinha certeza de que a mulher seria um bom investimento, afinal, ela tinha todo um histórico de críticas e visão distorcida em relação a filha. Seria como tentar plantar em terra infértil. Mas, esse homem, com tão pouco a perder, e tanto a ganhar, era uma aposta. Se pudesse oferecer algo que realmente mudasse a vida dele, poderia fazê-lo alcançar o potencial adequado e torná-lo um Pacto viável, vantajoso. Receberia Fé diária dele, pois ele pensaria em Tural, ou ainda, em Débora, como alguém significativo e valioso em sua existência. Toda a caminhada e a conversa fiada eram parte dessa estratégia para entrar na mente do mortal. Ironicamente, os dois faziam o mesmo jogo, com o mesmo objetivo: sobreviver.
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- Morrigan (Kami) Ankh
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